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2002
Origens: compromisso da universidade pública com a sociedade
A Ocareté é gestada no ambiente universitário no contexto das mobilizações de política estudantil, trazendo desde o princípio uma visão crítica sobre o papel da universidade e educação públicas na transformação da sociedade. No início de 2002, um grupo de estudantes da Universidade de São Paulo (USP) se uniu no desejo de abrir as portas da academia para as comunidades do seu entorno. Um posterior e gradual olhar de conjuntura trouxe à tona um mesmo descontentamento com as políticas de cultura e extensão universitária no ensino público. Havia uma percepção de que a universidade pública poderia assumir e cumprir melhor o seu verdadeiro compromisso com a sociedade.
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2003
O protagonismo dos alunos para uma outra cultura e extensão universitária
E então em 2003, um de nossos fundadores lançou candidatura à Comissão de Cultura e Extensão Universitária do Instituto de Biociências (USP) tendo sido eleito representante discente. Junto à Comissão foi possível questionar os critérios utilizados pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP na aprovação de projetos. Passou-se a sensibilizar a Comissão sobre a importância de estabelecer critérios prioritários para alunos de graduação que propunham projetos junto à PRCEU, considerando essa iniciativa fundamental na formação dos alunos, quer seja pela experiência de propor e conduzir um projeto com dinheiro público, quer pela oportunidade de aplicar seus conhecimentos no trabalho com comunidades externas à universidade. Também foram problematizados os cursos e eventos que beneficiavam mais o público acadêmico do que o externo, definindo a opção preferencial por projetos sociais em comunidades. Essa atuação junto à Comissão foi importante para dar projeção à Ocareté dentro da universidade, lançando o seu modelo como mais uma referência para projetos de extensão propostos e desenvolvidos por alunos.
Ainda no primeiro semestre de 2003, realizamos nosso primeiro projeto, o “Vivência no Parque”, em parceria com a Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM) com apoio financeiro da PRCEU-USP e sob orientação da Profª. Mayana Zatz. A ABDIM atende crianças portadoras de distrofia muscular e seus familiares e está localizada bem no entorno da USP. Procuramos envolver os alunos para conhecer a realidade dessas crianças e da ABDIM e utilizar a estrutura da universidade para apoiá-los e firmar um compromisso de diálogo e colaboração.
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2003
Formação crítica: diversidade, justiça socioambiental e a luta dos povos tradicionais
Essa primeira iniciativa, por ter sido também fruto de nossa sensibilidade em relação a pessoas com deficiência, acabou se inserindo num contexto mais amplo de olhar para a temática da diversidade. Esse olhar foi gradualmente integrado à nossa formação crítica sobre as relações societais e a construção histórica das desigualdades, trazendo à tona nosso compromisso inegociável de lutar contra a opressão social e pela transformação da sociedade. Nossas trajetórias e estudos pessoais acabaram imprimindo, logo cedo, um recorte étnico no âmbito da questão socioambiental às nossas ações e reflexões. É então que nasce a primeira definição identitária da Ocareté: a de trabalhar em comunhão com povos da terra, da floresta – os povos e comunidades tradicionais.
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2003
Questão étnica, diversidade e saúde pública
A primeira inserção da Ocareté no universo desses povos se deu no segundo semestre de 2003 por meio de um projeto de análise e diagnóstico da situação de saúde pública de povos indígenas Guarani na região do Pico do Jaraguá, em São Paulo. Realizamos pesquisa participativa em campo e diversos estudos sobre a Política Nacional de Saúde Especial Indígena, estabelecendo importantes canais de diálogo com órgãos públicos responsáveis.
Um desses órgãos foi a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), para o qual levamos as reivindicações da comunidade aliadas aos resultados de nosso estudo. Nós então sugerimos a realização de um seminário para debater a questão da saúde indígena diretamente com as comunidades, a sociedade civil, a universidade, o setor social e os órgãos públicos. Com a parceria da Faculdade de Saúde Pública da USP e com orientação da Profª. Maria da Penha Vasconcelos e do Prof. Rubens Adorno, promovemos o “I Seminário de Políticas Públicas voltadas a Populações Vulneráveis do Estado de São Paulo”. O primeiro ciclo de debates foi realizado no dia 11 de novembro de 2003, onde tivemos a oportunidade de discutir a questão da saúde pública dos povos indígenas. O seminário contou com a indispensável participação de lideranças e representantes indígenas, dos povos Guarani, Pankararu e Terena. Dos importantes resultados práticos dessa iniciativa podemos citar uma série de medidas que passaram a ser vistas como diretrizes na gestão das Casas de Saúde do Índio (CASAI) e o compromisso da FUNASA em realizar obras de infra-estrutura e prestação de serviços de saúde em aldeias indígenas urbanas cujas terras ainda não fossem homologadas.
Após a realização do seminário fomos convidados pela equipe do Projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) a dar uma palestra no curso de verão “Etnias, Diversidades e Saúde: a construção de identidades no Continente” realizado na Faculdade de Saúde Pública da USP em fevereiro de 2004. O contato com a equipe do Dr. Roberto Baruzzi nos levou a conhecer uma organização de Rondônia chamada Proteção Ambiental Cacoalense (PACA) com quem logo estabelecemos parceria para um projeto com povos indígenas da região amazônica. A partir de março começamos a elaborar o projeto e a treinar a equipe para o trabalho de campo durante o mês de julho.
Um pouco antes de nossa ida a Rondônia realizamos o segundo ciclo de debates do “I Seminário de Políticas Públicas voltadas a Populações Vulneráveis do Estado de São Paulo” em junho de 2004, que discutiu dessa vez políticas públicas de saúde voltadas para populações quilombolas, com presença de diversas comunidades do Estado (Vale do Ribeira e Ubatuba) bem como agentes públicos do Ministério Público Estadual, Secretaria Especial da Presidência de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Fundação Cultural Palmares, Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) e FUNASA, contando também com a participação de entidades do setor social, como o Instituto Socioambiental (ISA) e movimentos sociais e populares de afirmação dos direitos da população negra e dos quilombos, como a Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Quilombolas (CONAQ), o Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB) e diversas associações das comunidades com presença marcante de suas agentes de saúde. O encontro permitiu aos participantes debater e propor qual seria o desenho de um futuro modelo de saúde especial quilombola para o Estado e para o País, com diversas idéias e estratégias de incidência da temática étnica e racial em políticas públicas.
As duas edições do seminário renderam frutos inestimáveis à Ocareté. Nossos próximos dois grandes projetos tiveram como ponto de partida os diálogos que estabelecemos na ocasião, o voto de confiança e os laços de afeto que passamos a cultivar com os representantes dos povos indígenas e quilombolas e o fortalecimento de nosso compromisso e de nosso repertório para enfrentar os próximos desafios junto com as comunidades.
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2004
A Ocareté e o Povo Suruí-Paíter de Rondônia: educação popular e mobilização política
No mês seguinte, em julho de 2004, demos início ao projeto com comunidades indígenas Suruí-Paíter de Rondônia. Realizamos um trabalho com foco no diagnóstico da situação de saúde pública indígena, em duas frentes: controle social e educação popular. Buscamos, por um lado, garantir o pleno exercício do direito à saúde por meio do fortalecimento do papel das lideranças comunitárias, sobretudo nos conselhos de saúde. Por outro lado, realizamos diversas oficinas e círculos de cultura fundamentados na pedagogia de Paulo Freire para a desconstrução crítica das relações de manipulação e dominação e dos fenômenos de conflitos interétnicos. Na frente de atuação relativa ao controle social, também criamos espaços de diálogo com órgãos públicos, em especial a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e a Casa de Saúde do Índio de Cacoal para a melhoria dos espaços e serviços de atendimento em saúde primária. Encaminhamos o relatório do diagnóstico para os representantes de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, para o diretor da FUNASA em Rondônia e para a Senadora Fátima Cleide (PT-RO). Na frente de educação popular, trabalhamos a arte-educação com mulheres, crianças e jovens lideranças na revitalização do caráter simbólico e ambiental da saúde e no fortalecimento do grupo por meio do diálogo e da resignificação dos mitos ancestrais de origem e das narrativas dos heróis míticos, trazendo para o presente os valores identitários fundamentais do povo Paíter.
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2004
Construção metodológica: autonomia, ancestralidade e educação popular
A experiência no sudoeste amazônico nos possibilitou a prática intensa de uma pedagogia libertadora com criação de uma metodologia própria da Ocareté fundamentada na práxis freireana. A especificidade da metodologia ocaretense surge não só na escolha pela pedagogia libertadora de Paulo Freire, mas também no início de um compromisso da Ocareté que surgiu a partir da orientação da Profª. Betty Mindlin e do Prof. Marcos Ferreira dos Santos e que constitui em fundamentar as práticas não só na cultura como nós a entendemos, mas também a partir do campo simbólico das comunidades com as quais atuamos da forma como ele se apresenta, levando em conta a dimensão do sagrado e da ancestralidade. O modelo de seminários temáticos também se mostrou um caminho estratégico de criar espaços de diálogo inter-setorial, submetendo agentes públicos à consulta popular e expondo demandas e reivindicações populares aos atores da sociedade civil organizada. Nessa linha, o segundo ciclo de debates do seminário abriu para nós o universo da história e das lutas das comunidades negras rurais quilombolas, servindo de base para o nosso próximo projeto na região do Médio Vale do Ribeira, no extremo sul do Estado de São Paulo.
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2004
A Ocareté e as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira/SP
Ainda no final de 2004, fizemos nossa primeira viagem a três comunidades quilombolas do Vale do Ribeira: Sapatu, André Lopes e Nhunguara. Iniciamos então longos diálogos com moradores e lideranças de associações locais para que juntos definíssemos possibilidades de ação. Os diálogos iniciais se estenderam até fevereiro de 2005 quando demos início ao projeto “Saúde Socioambiental Quilombola” no quilombo de André Lopes, com orientação inicial da Profª. Regina Célia Mingroni Netto. O projeto buscou trabalhar a saúde numa perspectiva social e ambiental, levando-se em conta as especificidades culturais, com o objetivo de criar experiências populares para um modelo de saúde pública quilombola, construído de forma endógena e coletiva. Nesse sentido, realizamos atividades de pedagogia popular com grupos de crianças, jovens e adultos, além de um trabalho com agentes comunitárias de saúde da equipe do Programa Saúde da Família (PSF), e parceria com a Pastoral da Criança na região. Fizemos também um trabalho de diálogo intergeracional para revitalização das tradições e lutas históricas dos quilombos. Também criamos oficinas teatrais e cursos de formação e prática em Teatro Fórum, tanto para trabalhar a arte como expressão e doadora de sentido quanto para gerar um processo de conscientização crítica coletiva.
Nossa atuação atingiu amplitude mais regional na medida em que nos envolvemos com as comunidades quilombolas, indígenas, caiçaras e de assentados rurais do Vale do Ribeira, engrossando as fileiras nas mobilizações a favor de um outro modelo de desenvolvimento para a região e em defesa do Rio Ribeira, junto ao Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB), regional do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e outras organizações. Passamos a atuar tanto em campo, tocando nossos projetos e ações comunitárias, quanto no nível político, em audiências públicas, na Frente Parlamentar Pró-Quilombola, na Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, em assembléias e manifestações populares.
Nosso projeto com as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira teve seu desfecho em meados de 2006. No entanto, continuamos a atuar politicamente e a cultivar os vínculos estabelecidos com as comunidades até hoje.
A segunda metade de 2006 foi dedicada a uma profunda avaliação de toda a nossa prática, com participação das comunidades, e a dar os encaminhamentos necessários às produções e desdobramentos de nosso último projeto.
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2006 / 2007
Aniversário de 5 anos: fortalecimento institucional e formação interna continuada
No dia 7 de setembro de 2006 nos oficializamos como associação da sociedade civil sem fins lucrativos. O início do ano de 2007 foi reservado para nossa formação interna, para a ampliação de nossos quadros e para o desenho e consolidação de nosso modelo político-pedagógico. Em maio celebramos o aniversário de 5 anos da Ocareté com a realização de uma assembléia de planejamento estratégico em que definimos os planos de ação para os próximos anos, mapeamos nossa rede de solidariedade (parcerias), atualizamos nossa missão e nossa identidade visual, organizamos nosso acervo, construímos nosso manifesto e reafirmamos, com mais força do que nunca, nosso compromisso com as lutas populares e a autonomia dos povos e comunidades tradicionais.
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2007
Um novo marco para o reconhecimento das identidades coletivas
Em 2007, com o lançamento da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, inaugura-se um terreno fértil pois é a primeira vez na história que o Brasil reconhece formalmente a existência de grupos étnicos e suas identidades coletivas. É neste cenário que a Ocareté passa a focar sua atenção, no reconhecimento público e formal e na garantia de direitos desses “novos” sujeitos, dessas “novas etnias”.
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2010
Entremundos: Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil
Entre os dias 23 e 26 de agosto de 2010 em Registro, no Vale do Ribeira/SP, a Ocareté oragnizou o evento \”ENTREMUNDOS: Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil\” que contou com a participação de representantes de divertes povos e comunidades tradicionais, entre eles indigenas, quilombolas, caiçaras e povos de terreiros, e paracira do Núcleo Oikos e da Rede Puxirão.
Foi um ciclo de debates inédito que buscou, numa perspectiva de formação coletiva, promover um diálogo plural sobre grupos étnicos no país aliando métodos de educação popular.
Partimos da capacidade que esses grupos têm de se recriarem à sua própria imagem a partir de uma crescente leitura entre mundos, para revelar suas razões ancestrais capazes de fazer frente aos desafios da atualidade e, quisemos assim colaborar para a compreensão crítica de outros modos de ser e estar no nosso país para que este se alargasse de modo a permitir que nele tenham lugar, de fato, todos os mundos.
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2016
Tecendo Histórias
A partir de 2016 a Ocareté passou a produzir e publicar o Tecendo Histórias, uma série de curta-documentários abordando cultura popular, história, memórias, religiosidades, povos e comunidades tradicionais, sempre a partir de relatos das pessoas que vivenciam esses temas. O objetivo é apresentar a imensa diversidade brasileira de forma simples e dinâmica no formato de vídeos que podem ser utilizados como material de apoio, principalmente, para por professores dos ensinos fundamental e médio.
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2017 - Atualmente
E o caminhar continua...
Além do Tecendo Histórias, a Ocareté passa a focar na produção e disponibilização de conteúdo, incluindo organização de livros, abordando temas referentes a povos e comunidades tradicionais, diversidade cultural e educação.